sábado, 15 de outubro de 2011

Da educação fundamental ao Exame da Ordem - Um paralelo


O que o exame da Ordem dos Advogados do Brasil tem em comum com o ensino básico no nosso país? O fracasso do método avaliativo. Opinião absurda? Vamos analisar. No Brasil o ensino básico, ou fundamental, começa aos sete anos de idade e termina aos quatorze (com pequenas variações regionais, sociais e de casos particulares), e no decorrer deste período os alunos são avaliados em um processo classificatório que os coloca num patamar entre 0 e 10 pontos. Esta pontuação reflete o grau de entendimento do aluno sobre a matéria aplicada em sala pelo professor, certo? Não. O conteúdo ministrado em sala de aula, muitas vezes de forma menos pedagógica do que se espera, é passado ao alunos como uma receita de bolo e se adéqua melhor os que aderem a este conteúdo e conseguem manter seu boletim azul. Mas e aqueles alunos cujas notas são sempre medianas e até mesmo abaixo da média? Eles são "burros"? Eles são desprovidos de capacidade intelectual? Em alguns casos específicos podem ser crianças que apresentem sim alguma disfunção psicológica, porém, pasmem, na maioria das vezes são os alunos mais críticos e inteligentes que ocupam as listas da recuperação. Especialistas como a professora Gilda Rizzo, atuante na área de pedagogia infantil, constataram que alunos muito inteligentes podem apresentar dificuldade de adequação e até mesmo submissão ao sistema educacional que perdura à décadas. São alunos cuja capacidade de ser crítico não permite a aceitação de conceitos básicos, regras que não têm explicação, coisas que são assim "porque são". Existem alunos que sofrem com as respostas vazias, com professores que em sua maioria não estão dispostos a responder perguntas que não estavam em sua programação. Estas crianças se sentem agredidas pelo sistema educacional e têm a sua capacidade convertida em fracasso no método da classificação do "0 a 10". E quando isso acontece, é fácil prever que o resultado é uma criança frustrada, que aprende a repetir que suas notas são baixas simplesmente porque ela é uma péssima aluna, pergunta demais e atrapalha a aula. E a prova da OAB tem o quê com isso? Bom, imaginemos um médico que depois de dez anos estudando, passa algumas horas numa sala e dali há alguns dias saberá se vai poder exercer sua profissão ou não. Agora imagine um engenheiro, que estuda também por tantos anos e quando se forma é submetido a uma prova para então aguardar e saber se poderá ou não utilizar o que aprendeu. Imaginou? Não precisava... Só quem passa por isso são os bacharéis em Direito! O aluno do curso de Direito, se estuda na Federal, passa cinco anos de sua vida, ou mais, estudando, investindo tempo e também algum dinheiro e se for de uma instituição particular passa cinco anos investindo, investindo, investido e estudando em um dos cursos mais caros e demorados do sistema de cursos superiores do Brasil e do mundo. E ao final deste curso se submete a uma prova com um nível de exigência absurdamente superior a qualidade dos cursos ministrados, fato confirmável, bastando ver o baixo nível de aprovação no país todo. E qual a diferença entre quem passa e quem não passa? Voltemos aos alunos do ensino básico, os do boletim azul, e os da recuperação... Os estudantes de Direito que passam na ordem são aqueles que, de forma louvável, se adequam ao sistema de ensino, têm a felicidade de levar uma vida que possibilite estudar tempo suficiente e ainda que são contemplados com um sistema emocional equilibrado, pelo menos para se submeter a exames. E qual é o perfil do aluno que não passa? São muitos... É aquele aluno que trabalha, que é pai ou mãe de família, é aquele aluno que não teve oportunidade de adquirir os melhores livros, é aquele aluno que passou cinco anos indo cansado pra sala de aula, é aquele aluno que ia com fome ouvir os professores (acreditem senhores, existe miséria no nosso país)... ou é tão simplesmente aquela pessoa, que de tão humana, se descontrola diante de uma prova que decidirá a validade do seu investimento de cinco anos. Por favor, caros leitores, a pessoa que vos escreve não tem a intenção de criticar, tampouco de diminuir o feito dos milhares de aprovados no exame da OAB nas últimas décadas, deixo aqui registrado meus sinceros aplausos a todos estes. Porém, acredito ser perfeitamente criticável esta que é mais uma forma de separar as pessoas em joio e trigo, não analisando sua capacidade real, mas submetendo-as a mais uma prova, que vai definir seu conhecimento de forma quantitativa e não qualitativa. Não entrarei no mérito dos princípios constitucionais para que a análise continue no seu objetivo de português claro. Então façamos mais uma análise de sentido prático, desta vez sobre o prisma dos que defendem a continuidade da prova. Li em diversos artigos coisas como "se a prova da ordem acabar, ocorrerá um caos social", li também "os serviços prestados por um advogado são tão importantes que a população merece que seja feita a seleção dos que realmente conhecem o Direito"... Li estas e outras coisas e não sei o que me caiu de forma mais indigesta. Se você, leitor, casado, pai, pudesse escolher, preferiria ser vizinho de um médico ou de um advogado? Ter uma pessoa que salva vidas ao lado de casa me parece mais útil. E o que este médico fez para ser visto como "pessoa capaz de salvar uma vida" ? Ele fez faculdade, estudou bastante, até se especializou. E a prova da Ordem dos Médicos? Não tem senhores! Mas e o CRM? E as provas de título? Bom, elas existem, tornam seus possuidores muito bem vistos. Mas e o médico que não se especializa e não faz prova de título? Oras... ele é médico! Ele exerce a profissão, ele monta um consultório, ele atende pacientes, ele faz plantão e ele receita remédios. A prova não impede o exercício da função. Aaa e os engenheiros que trabalham nas construções de prédios imensos, que abrigam milhares de famílias, prédios como este que você está agora... Eles também não fazem prova para testar sua capacidade, no entanto, é confiado à eles, de forma indireta, a vida e a segurança das pessoas. Não seria melhor então aplicar prova pra todo mundo? O fato é que as provas, a exemplo daquelas do ensino fundamental, e também a exemplo da Ordem, não separam os bons dos ruins, (lamentavelmente, pois seria muito prático que fosse simples assim subdividir as pessoas). Levanta a mão quem não conhece um advogado (inscrito na OAB) medíocre que mal sabe preparar uma petição! Quem não conhece terá, certamente, o desprazer de conhecer. O fato é que estamos expostos aos erros médicos, aos erros da engenharia, a ingerência dos administradores graduados, nós abrimos o jornal e não é difícil ler textos mal escritos de jornalistas formados. O risco existe em tudo, sempre e as provas não os diminuem. Estão todos aí, montando seus escritórios, suas salas comerciais, ocupando seus postos, correndo o risco de errar, mas também de acertar, estão todos tendo a oportunidade de estagnar ou de melhorar com a prática (menos os bacharéis em Direito). A luz no fim do túnel está nas mão do Supremo, agora é torcer para que o jogo de interesses não se sobreponha a razoabilidade da equiparação do Direito às demais profissões, e claro, ao direito de exercê-las!

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